Desde que Simone de Beauvoir, filósofa francesa, relatou em seu livro: ”A velhice: realidade incômoda” (Beauvoir, 1976), descrevendo o que denominava ser uma conivência silenciosa ou a falta de um olhar digno para a forma de tratamento da velhice naquela época, muitos passaram a questionar um pouco mais, sobre a importância dessa fase na vida do ser humano.
Constata-se que o aumento da expectativa de vida do brasileiro que no passado era em torno de 33,7 anos em 1950/1955, aumentou para 50,99 em 1990, ficando em 66,25 no ano de 1995, possivelmente chegará a 77,08 entre os anos de 2020/2025 (SIQUEIRA, 2002).
Observar a transitoriedade da vida e como os seres humanos se aplicam em viver, sempre foi tido como uma tarefa de filósofos, psicólogos e pensadores. Porém percebemos que com a contemporaneidade e todos os reflexos que ela traz consigo a nível de longevidade, reverberaram ao ser humano um desafio árduo e desafiador; pensar sobre seu futuro enquanto um ser idoso e desprovido das idealizações estéticas e produtivas, que outrora desfrutou diante da sociedade.
A percepção de um ser humano que está para além de um recorte etário, também é algo a ser salientado, dado que os significados e potencialidades que cada um demonstrará em seu momento de vida específico, não se apontam reféns da cronologia. Exemplificando; diríamos que um idoso de 80 anos, por vezes se mostra mais jovial que um outro com 70.
A concepção de idade pode ser classificada em: Cronológica: referindo-se aos anos vividos por alguém. Biológica: relacionada a alterações corporais e mentais do ser humano. Social: permeada pelos papéis sociais e hábitos esperados do sujeito para aquela idade. Psicológica: inclui a noção subjetiva de idade do próprio indivíduo perante outros de sua idade e seu potencial psicológico de memória, atenção, aprendizagem entre outros, (Schneider e Irigaray, 2008).
Ressignificar parece ser um conceito chave no processo do envelhecimento humano! Em uma sociedade que ainda se detém ante aos padrões estéticos como uma forma de lidar com os sofrimentos da vida e de postergar o futuro, elaborar as etapas que deixamos para traz nos permite vivenciar as experiencias que se vislumbram diante de nós.
Para a psicanálise, o desenvolvimento do ser humano ocorre através de fases, sendo que em cada uma delas é esperado que alcancemos determinados graus de maturidade. Winnicott compreende que nesse caso, a maturidade traduz-se em saúde. Segundo ele “o adulto sadio é maduro enquanto adulto, o que significa que já transpôs todos os estágios de imaturidade, isto é, todos os estágios maduros anteriores” (WINNICOTT, 2005, p.129).
Ainda segundo esse autor, no nosso processo de amadurecimento a vida adulta traz também como tarefa a aceitação da nossa impotência e imperfeição, que poderão nos remeter a estados depressivos que não são psicopatológicos, mas sim, o resultado momentâneo da nossa percepção de que a vida não se mostrou a nós da maneira como a idealizamos (Dias, 2012).
O psicoterapeuta trabalhará em conjunto com a pessoa que está lidando com seu processo de envelhescência, permitindo que nessa trajetória ele ressignifique seu sofrimento e o olhar sobre seu próprio corpo, que para além de todos os significados culturais e sociais possui um significado próprio, que lhe é particular. A desconstrução dos mitos vinculados ao processo de envelhecimento, trarão novo sentido e olhar a sua vivência “ressignificando, na medida do possível, as formas de ser” (DOURADO; LEIBING, 2002, p. 4).
A percepção de nossos limites e finitude, nos leva a transcendermos e desafiarmos o significado do lugar “comum” ao qual nos conformamos no cotidiano. Significar a vida através da intensidade e vivacidade do instante, por si só nos permite olhar para além, caracterizando ganhos e perdas não apenas pelo que se perdeu ou ainda pelo que se poderia ter ganho, mas sobretudo pelas experiencias do percurso, pelo encontro, pelo momento de vida em si, que poderão trazer a nós as maiores surpresas no sublime recorte ao qual chamamos de vida!
BEAUVOIR, S. A velhice: realidade incômoda. (2a ed.). DIFEL, São Paulo; 1976
DIAS, Elsa Oliveira. Os estágios da dependência e da independência relativas. In: ______. A teoria do amadurecimento de D. W. Winnicott. 2. ed. São Paulo: DWW Editorial, 2012.
DOURADO, Márcia; LEIBING, Annette. Velhice e suas representações: implicações para uma clínica psicanalítica. Estudos e Pesquisa em Psicologia. Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Instituto de Psicologia. UERJ: Rio de Janeiro, 2002. Disponível em <http://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/revispsi/article/view/7759/5607>. Acesso em 31 maio. 2020.
SCHNEIDER, Rodolfo Herberto; IRIGARAY, Tatiana Quarti. O envelhecimento na atualidade: aspectos cronológicos, biológicos, psicológicos e sociais. Estud. psicol. (Campinas), Campinas , v. 25, n. 4, p. 585-593, Dec. 2008 . Available from <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-166X2008000400013&lng=en&nrm=iso>. Acesso em 31 Maio 2020.
SIQUEIRA, Renata Lopes de; BOTELHO, Maria Izabel Vieira; COELHO, França Maria Gontijo. Um velhice: algumas considerações teóricas e conceituais. Ciênc. saúde coletiva , Rio de Janeiro, v. 7, n. 4, p. 899-906, 2002. Disponível em <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-81232002000400021&lng=en&nrm=iso>. acesso em 31 de maio de 2020.
WINNICOTT, Donald W. Família e maturidade emocional. In: ______. A família e o desenvolvimento individual. Trad. Marcelo Brandão Cipolla. 3. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2005.
Autor: Psicólogo Adalton Lopes - CRP 08/25227
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